Tudo o que jaz na minha cabeça é como um prato surdo que não chega a lugar algum. Receio pela minha própria condição de humano ao resgatar-me deste som distante por onde tu corres em pegadas soltas de cuspe. Leio-me a mim mesmo com olhos de águia morta que se solta nessa correnteza, nas cúspides de uma certeza vã onde raramente se encontram vestígios de presença bruta. Temo o desgaste sôfrego dos dias que se embotam entre si, num lívido entrelaçado sem fulgor. Alimento-me de uma seiva esfarelada que se dá à boca dos internados. Estou suspenso entre dois planos de uma vida discreta, numa marcha fúnebre de sentido único. Escrevo tratados sobre este vazio solene que me preenche e é por essas bocarras agrestes que me esvaio em ritmo baixo, antevendo um desfecho morno, sem lógica aparente que o justifique. Caminho com esta tristeza insone, calafetada nos meus membros como tatuagens de marinheiros em ferro quente.
Tivesse eu coragem e arrancaria os meus próprios olhos para com eles jogar às escondidas na escuridão total, para tropeçar em mim mesmo e cair por entre os juncos aziagos que circundam o sítio onde moro. Ali ficaria como uma folha de papel gasta pelo tempo, sem distinguir sul do norte, aguardando que me viessem buscar e me metessem numa carrinha cinzenta sem destino. Recobro-me com um manto barato e permito-me estar ao relento até que esse motor me descubra pelos soluços que vou deixando escapar por distração. Que me identifiquem pelos dentes como se faz aos cadáveres mais impertinentes e que depois me arrastem para o cadafalso das almas, para esse arruivado alçapão onde esperam por nós de caneta em riste, juízes maledicentes daquilo que nem nos lembramos. Sairei de lá ao pontapé.