Category: Fragments


  • Rosa XXX

    Rosa XXX

    Escondo neste casaco dois punhais de costureiro da Flandres, barbeando-me com eles em ferida. Arranco a minha tez cobre, general arrependido de entrar numa batalha perdida em alto mar. Atiro as caixas borda fora e espero que o dia nasça para sentir os golpes com os dedos do sol. Visto-me de corsário e ofereço-me numa…

  • Rosa XXIX

    Rosa XXIX

    Dói-me o peito onde as garças se lançam em abomináveis jactâncias. Cresço a preceito como se soubesse o desfecho do mapa, escuteiro sem lenço que me identifique. Presto testemunho invisível a um raio que me atravessa à força de um isqueiro em combustão lenta, ardor ilusório que me consome em labaredas pardas. O lento azedume…

  • Rosa XXVIII

    Sou lento como um poente que alcança as lâmpadas deste tecto falso. Coço os meus pensamentos com a lâmina fingida de um copista barato que se vende por pouco em feiras de rua. Aliso a calçada com o meu fingido plano de emboscada a Norte, onde descubro a mentira maior. Os joelhos arqueiam ao serviço…

  • Rosa XXVII

    Fujo do sol como um regato se esconde de quem lhe cospe. Calço polainas e julgo ser capaz de escalar o Vesúvio com as mãos ao contrário, soltando pigarreios por montes claros em negativo. O luar mata-me a fome como a um recém-nascido que tem no leite a solução para tudo. Vivo nesta missão secreta.

  • Rosa XXVI

    Rosa XXVI

    Os montes estremunhados onde Isabel se sentava eram claros como o ventre humano ao nascer. Raiava ali o sol como mestre imponente de verdades cruas exigidas aos príncipes de planícies ocultas que ficavam para lá desses verdeados e trigosos escaparates. O rubor que se espalhava pela sua pele emudecia-se à chegada ao pescoço, voltando a…

  • Rosa XXV

    Rosa XXV

    Nas suas madeixas rosa tricotavam-se cantos delfinos de uma pureza nobre. Vestia tesouros alinhados com o diapasão estelar, notas de pequenas canções fúnebres onde era possível testemunhar pequenos oráculos com lívidos e antigos motivos. Escutavam-se nos entretantos do seu pentear monótono, repetido na surdez das noites silvadas pelos grilos ao longe, rumores ziguezagueados pelo vento…

  • Rosa XXIV

    Rosa XXIV

    As pálidas luminescências que por ali se avistavam erguiam as asas como condores maiores de um plano superior, existência hierárquica ditada pela presença invisível. Intumesciam-se os peixes no novilúnio, prontificados a esboroarem as próprias escamas num gesto de comunhão serviçal ante a soturna languidez daquele final de dia. Os hercúleos gritos que se ouviam ao…

  • Rosa XXIII

    A fé, essa, é como milho atirado ao fogo. Engelhado pelas marés ardentes que o consomem, penetra numa pasta dissolvente pelas entranhas até calcinar a dor numa bátega confusa de indiferença e sofreguidão. Desfaz-se em matéria negra para ser devolvida ao mundo, entrando por socalcos de cinza velha deixada aí pelos mortais. Cresce como erva…

  • Rosa XXII

    Rosa XXII

    As trémulas, esvaídas mãos cinzentas redescobriam-se em remoinhos silenciosos e enjeitados. Insalubres pontas estendidas ao sol capião que se arrojava nos umbrais da morte, quieto como um ulmeiro transparente que tudo sabe. As procissões desciam as escadas assombradas pelo eterno medo da solidão e as nespereiras ao longe tombavam pela metade, cedendo passagem aos quesitos…

  • Rosa XXI

    Rosa XXI

    Escondia uma velinha entre mãos, escultora branda de uma capela em éter. Acendia-a todos os dias com a tempestuosidade calma dos ouvintes de ópera em cálidas noites de jardins abertos, onde passeiam condes e condessas. Era nessa vela que vislumbrava o mundo em capítulos, atirando sobre elas pequenos seixos leitosos, tentando destrinçar a fortuna que…