Dos promontórios os mestres avistavam barcaças escuras de onde vinha o peixe vivo, arrastado pelas correntes bravias do Norte, que ali depositavam encrespadas as nódoas de um sonho mau. Os lentos rumores de trovão ao fundo acirravam o petróleo daquelas couraças velhas, podres de tanto se atirarem ao mar como luminescências em desespero. Agastavam-se nas…
Nas giestas em brasa caminho com os pés em pó de saibro. Levanto-me no ardor silencioso de um matagal que se prolonga ao entardecer. Sinto um ar leve, uma penumbra luzidia que me embarga o peito. Nas escorreitas sensações que de mim emanam testemunho um gineceu onde te moves como acrobata plúmbea, dona de uma…
Lembro-me de uma tenda secreta onde guardavam jornais infectos de verdade. Neles invectavam oferendas várias, num gatinhar de menino endiabrado pela mão de veludo que tudo anima. Estava ali no meio de uma choldra barrenta, calcada pelas intempéries invernais que se abespinhavam nos montes circundantes. O vento resfolegava de dor quando ali batia e as…
Sou guerrilheiro de pavio curto, traço dois brancos cavalos ao luar e aguardo por eles na porta. Debaixo do umbral teço pequenos contos de um amor ensanguentado que agora se cruzam comigo mesmo pelas costas, ao largo de uma península esquecida pelos deuses. Trago-me em lentas passadas, arrastando-me como um evangelho sinóptico arrancado ao deserto…
Nas barbearias de Sintra conheciam-se fedelhos com trejeitos de adulto. Vestiam farda de mecânicos ensonados pelo tempo. Tinham beiças de mouriscos e pediam de tudo um pouco: pratos de lentilhas, centeio enegrecido pelo bairro amolado, moelas esfareladas de animais quilhados pela roldana baça que tudo desfazia. As labaredas mornas do fogão vertiam um líquido sanguinolento…
Estou em debalde de mim mesmo.Atavio-me por caminhos estreitosque vão dar a lugar algum que se cisme.Entrego-me às algemas de uma poesia muda,Que me chega do outro lado da paredeOnde mora um Deus de peito afãE suas fundições amaradas. Tenho trigo quente que me pulsa no bolsoComo um relógio de cordãoQue se dá aos marinheiros…
Nas vitrinas a Condessa deixava cair papelinhos de jornal para enfeitar. Era dócil como flor invernal colhida pelo vento. O seu peito abrilhantava os murais do casario onde vivia, lançando-se num crepúsculo cinzento todas as madrugadas quando, no seu segundo andar, abria as janelas para murmurar baixinho antigas cantilenas. Pegava no livrinho de horas que…
Nas pétalas de Ourique. O pandemónio que se instalou nos beirais em flor, Peças tombadas num majestoso doce-pérola matinal. As luxuosas florestas verdes, Arredondas como um coração morto à nascença,Trombas d’água soltas pelo rio adiante, A graça de um jasmim pisado à nascença. Os jugos setembrais numa carroça vã, Os loucos de quimeras por fazer…
A pedra tumular de Herodes tinha duas pequenas inscrições circulares que se debatiam com o peso imediato da chuva. Eram por definição convexas, ladrilhadas em mármore negro. A serralharia responsável batizou-a de Pedra Seráfica por comportar dois terços do peso total do túmulo. O cadáver foi enrodilhado em linho púrpura, tecido caro adquirido em Fez.…
Cânticos dourados. As bruxuleantes luzes da Capadócia, por entre monges e a finisterra de Deus, onde se escapulem os dóceis montes silvados do Levante. Contemplai a sua grandeza, observai o quão magnânimos se interpõem entre os mortais, como engastes lapidares nos cumes. Vergar-te-ás perante eles como sumo sacerdote de um mundo enclausurado nos cinzentos dolentes.…