Havia uma curta esquina com vista para o alpendre. Bernardo entoava baixinho uma cantilena que havia aprendido com a avó em pequeno. Não sabia o nome, cantava por cantar no entreposto de chuva e neve naquela tarde de Fevereiro, onde corria uma marcha fúnebre. Nos olhos do morto haviam colocado duas pedrinhas cor de esmeralda, um verde-vivo que fazia levitar. As pálpebras pesavam-lhe por entre os dedos nus, soltos de carne e beijos. O sabor era fel, um travo. Havia quem lhe dissesse “estou aqui”, num murmúrio baixo, dicionário de flores sem tradução aparente. Existiria certamente uma qualquer palavra para descrever a enxovia de corpos, aquele luto fluido de baixo-ventre, a música do fundo com destino à última estação.
Era por ele que ali estavam, sentados numa curva, sem dentes, sem alma, soltos para sempre. Era triste ser exilado, no próprio campo, no próprio entardecer que ele conhecera tão bem. Os violinos nem os ouvia, sussurravam ao longe como cães vadios. Vinham de todos os lados para o visitar. Tinham-lhe costurado um fato para a ocasião, num lilás poente. As torres ao longe giravam numa órbita estelar, guardiãs agora de um tempo distorcido, um mito sem escrita, cortado ao meio naquele entardecer. O chumbo era pesado como cascos, um calcar eterno para o fazer descansar.
Não lhe sobrava muito a dizer, a argumentar. O destino estava aceito, o selo posto.