Rosa IV

Rosa IV

Vivia escondido num pequeno prédio de seis andares na Portela. Tinha por hábito comprar uma série de revistas com quadradinhos brancos onde escrevinhava em várias línguas. O que o mais incomodava era saber que tinha ali uma série de coisas encravadas na língua, onde se lhe abriam os prazeres de uma vida encimada por névoas esquisitas e coisas que haviam ficado por dizer desde tempos imemoriais. Os seus esgares eram cansados, tinha uma vista cega por desleixo, queixava-se do tempo, queixava-se dos estrangeiros que agora lhe haviam decidido habitar a capital desde há tanto tempo que nem se lembrava quando havia sido a última vez que os portugueses tinham morado naquela região.

O seu súbito temor à vida vinha de uma mania estranha de cantarolar melodias em claves de sol, pois assim lhe haviam ensinado, mas já ninguém se lembrava de como e quando tal havia acontecido. Os namoricos em pequeno esfarelavam-lhe o juízo, com articulações estranhas de paixão e outros engastes que o habitavam. O que o mais incomodava era o cantarolar baixinho dos pássaros ondulantes que lhe vinham bater à janela ao meio-dia, nas horas vagas do entardecer e também quando fazia fresquinho nas noites de inverno. Tateava os dedos nas aresta finas do corrimão por onde passava e ali se lembrava de ficar deitado à espera que lhe ensinassem a tabuada dos nove, os segredos dos Mosqueteiros franceses…