Rosa XIV

Rosa XIV

Nas vitrinas a Condessa deixava cair papelinhos de jornal para enfeitar. Era dócil como flor invernal colhida pelo vento. O seu peito abrilhantava os murais do casario onde vivia, lançando-se num crepúsculo cinzento todas as madrugadas quando, no seu segundo andar, abria as janelas para murmurar baixinho antigas cantilenas. Pegava no livrinho de horas que havia sonegado à catequista mariana, pisgava-se por entre um vestido de linho aprumado, e descia a ribanceira que a levava a um pequeno quartel onde residia um encenador de peças encantadas. Pedia-lhe conselhos sobre moda, sobre o que se fazia lá fora, sobre os apetites estrangeiros acerca de operetas e enxovais. Os seus hábitos cordiais haviam-lhe valido o nome em filigrana de ouro tantas vezes nos jornais. E debruçava-se valente naqueles beirais com ar doente, inspirava as correntezas de um Atlântico pardo, assobiava para a cáspia espuma que se derretia na areia e perdia o medo às vagas dançantes, às árvores de cetim que se afiguravam no horizonte como antigas Mães em busca de filhos desabridos. Fazia coleção de leques por abrir e tinha centenas de mantas importadas da Pérsia onde se deitava nua. Milena, Milena…