Dos promontórios os mestres avistavam barcaças escuras de onde vinha o peixe vivo, arrastado pelas correntes bravias do Norte, que ali depositavam encrespadas as nódoas de um sonho mau. Os lentos rumores de trovão ao fundo acirravam o petróleo daquelas couraças velhas, podres de tanto se atirarem ao mar como luminescências em desespero. Agastavam-se nas vagas mudas, aterrorizadas perante uma água ínfima, gélida como as costelas de um padre hirsuto pelo tempo. Eram a lenha viva que escorria pela boca fastiosa de um demónio marítimo de olhar esbugalhado e perverso. Ali tombavam, soltando as vestes de madeira grisalha, despedindo-se do mundo em solavancos. Os homens agarravam-se às bermas, tresloucados pela bruteza que os apanhava pelo pescoço. Ajoelhavam-se perante os deuses, clamando perdão, de mãos na barriga como crianças pedintes que se encontram à porta das igrejas. E de novo outra vergastada violenta que os atirava para estibordo, agarrando-se à esperança materna com que vieram ao mundo. Os anzóis agarravam-lhe as carnes como vespas, depenicando-os em sangue fulvo. E, de novo, outra vergastada! Zás! E as barcaças abrutalhavam-se cada vez mais, num desconsolo eterno daquele mar voraz, daquele mar eternamente faminto de carne humana.