Gustavo escondia-se por entre as estantes. Gostava de rabiscar pequenos desenhos de animais alados, deixando-os espalhados pela alcatifa lá de casa. Gatinhava por aqueles espaços como um pequeno bandido que foge à própria quadrilha. Adorava deixar-se tombar nas partes mais fofas do chão acastanhado, à espera que o viessem buscar para o adormecerem na sua caminha lavada na véspera. Ria-se dos bonequinhos que o acompanhavam noite fora, esses mandriões que tinham nas mãos cornetas, canetas BIC e outros segredos que só ele conhecia por falar a língua dos brinquedos. Achava-se especial por ter esta capacidade de comunicar com o além, mas guardava para si próprio o que ali conferenciava com os bonecos sorridentes. Sabia onde haviam nascido, o que os trazia ali, para onde partiriam a seguir, quem os governava e até a que mundo em particular pertenciam. Se soubesse escrever, Gustavo teria colocado isto tudo em papel e enviado a um secretariado de estado qualquer para estabelecer comunicação intergaláctica com essa secreta esfera de brincar, que ali havia decidido pousar ao lado da sua almofada. Como não sabia, falava com eles pelos olhos até dormir.