Rosa XXXIV

Rosa XXXIV

Margarida colecionava bisnagas de vários formatos e qualidades. A maioria vinha de França. O pai comprava-lhas todos os sábados de manhã, quando ia à praça municipal buscar peixe. Trazia-as no porta-moedas castanho, com espaço para as notas, os documentos de identificação e essas bisnagas com que ela pintava cartolinas nos intervalos da escola. Assobiavam-lhe para ir brincar com o resto da turma, mas Margarida deixava-se estar num longo banco castanho onde era maestrina de um vasto pomar de desejos tornados cor. Desenhava latifúndios com o prazer de quem comanda ventos com as mãos, acrescentava animaizinhos de caça como comandantes de batalhões, e servia-se das mais variadas ideias para encher aqueles vilarejos de gente com coisas para fazer, pão para amassar e bicharocos para tratar. Era dona de vários palácios imaginários onde se colocava à janela de sandálias apertadas nos pés, sentindo o peso da sua própria gravidade e função, enquanto os aldeões por baixo a cumprimentavam com acenares ligeiros e sorridentes. Respondia-lhes com a superioridade nobiliárquica, sua por direito, erguendo a mãozinha num gesto líquido de tão subtil. Ajeitava o colar de pérolas brancas, voltava para o seu salão de chá, descia as escadinhas e voltava àquele banco castanho para desenhar outras estradas e outras gentes.