Nas barbearias de Sintra conheciam-se fedelhos com trejeitos de adulto. Vestiam farda de mecânicos ensonados pelo tempo. Tinham beiças de mouriscos e pediam de tudo um pouco: pratos de lentilhas, centeio enegrecido pelo bairro amolado, moelas esfareladas de animais quilhados pela roldana baça que tudo desfazia. As labaredas mornas do fogão vertiam um líquido sanguinolento…
Estou em debalde de mim mesmo.Atavio-me por caminhos estreitosque vão dar a lugar algum que se cisme.Entrego-me às algemas de uma poesia muda,Que me chega do outro lado da paredeOnde mora um Deus de peito afãE suas fundições amaradas. Tenho trigo quente que me pulsa no bolsoComo um relógio de cordãoQue se dá aos marinheiros…
Nas vitrinas a Condessa deixava cair papelinhos de jornal para enfeitar. Era dócil como flor invernal colhida pelo vento. O seu peito abrilhantava os murais do casario onde vivia, lançando-se num crepúsculo cinzento todas as madrugadas quando, no seu segundo andar, abria as janelas para murmurar baixinho antigas cantilenas. Pegava no livrinho de horas que…
Nas pétalas de Ourique. O pandemónio que se instalou nos beirais em flor, Peças tombadas num majestoso doce-pérola matinal. As luxuosas florestas verdes, Arredondas como um coração morto à nascença,Trombas d’água soltas pelo rio adiante, A graça de um jasmim pisado à nascença. Os jugos setembrais numa carroça vã, Os loucos de quimeras por fazer…
A pedra tumular de Herodes tinha duas pequenas inscrições circulares que se debatiam com o peso imediato da chuva. Eram por definição convexas, ladrilhadas em mármore negro. A serralharia responsável batizou-a de Pedra Seráfica por comportar dois terços do peso total do túmulo. O cadáver foi enrodilhado em linho púrpura, tecido caro adquirido em Fez.…
Cânticos dourados. As bruxuleantes luzes da Capadócia, por entre monges e a finisterra de Deus, onde se escapulem os dóceis montes silvados do Levante. Contemplai a sua grandeza, observai o quão magnânimos se interpõem entre os mortais, como engastes lapidares nos cumes. Vergar-te-ás perante eles como sumo sacerdote de um mundo enclausurado nos cinzentos dolentes.…
Hoje beijou-me a Rainha de Copas.É sempre ela,No seu cálice de oiroProstrada de um jeito seu, Numa galhofa secreta e cúmplice de amor. Quem a vê não antevê o segredo. Rapunzel de olhos claros, Cabelos soltos ao vento como fogo acobreado, Lúcida num mar raso. Beijo-lhe os pés em devoção, Atiro-me para os seus braços…
A artéria crepuscular que irrompe as fibras moleculares de um pálido outono exangue. São as imagens da Capadócia que aventam um final triste, lôbrego lodo de um canal fortuito que se esvai. Sinos tombam na ressaca de uma festa, no rouco tinir dos jograis. Lâmpadas de petróleo queimadas vivas como peças obtusas de um jogo…
Venâncio foi um guerrilheiro que se encontrava perdido nas sombras de Tomar. Comprava pequenos mísseis para fazer como artesanato durante os lanches. Ria-se dos micróbios que se acumulavam nas suas refeições floridas. Por entre tantos outros militares que se acumulavam no quartel era ele quem sorria mais, quem era conhecido pela sua delicadeza monumental, por…
As sinfonias violeta de Gusmão Peres compunham-se com traves-mestras, encimadas por dezenas de orquestrações bélicas que encaixavam belas nos baques e zurzidos do chão de flanela onde ensaiava. Tinha por hábito transportar consigo pequenos livrinhos com ensinamentos proféticos, onde cabiam centenas de dizeres, dichotes e aforismas vários dos maiores pensadores contemporâneos. Pasmava-se com as obras…