Category: Fragments


  • Rosa XXVI

    Rosa XXVI

    Os montes estremunhados onde Isabel se sentava eram claros como o ventre humano ao nascer. Raiava ali o sol como mestre imponente de verdades cruas exigidas aos príncipes de planícies ocultas que ficavam para lá desses verdeados e trigosos escaparates. O rubor que se espalhava pela sua pele emudecia-se à chegada ao pescoço, voltando a…

  • Rosa XXV

    Rosa XXV

    Nas suas madeixas rosa tricotavam-se cantos delfinos de uma pureza nobre. Vestia tesouros alinhados com o diapasão estelar, notas de pequenas canções fúnebres onde era possível testemunhar pequenos oráculos com lívidos e antigos motivos. Escutavam-se nos entretantos do seu pentear monótono, repetido na surdez das noites silvadas pelos grilos ao longe, rumores ziguezagueados pelo vento…

  • Rosa XXIV

    Rosa XXIV

    As pálidas luminescências que por ali se avistavam erguiam as asas como condores maiores de um plano superior, existência hierárquica ditada pela presença invisível. Intumesciam-se os peixes no novilúnio, prontificados a esboroarem as próprias escamas num gesto de comunhão serviçal ante a soturna languidez daquele final de dia. Os hercúleos gritos que se ouviam ao…

  • Rosa XXIII

    A fé, essa, é como milho atirado ao fogo. Engelhado pelas marés ardentes que o consomem, penetra numa pasta dissolvente pelas entranhas até calcinar a dor numa bátega confusa de indiferença e sofreguidão. Desfaz-se em matéria negra para ser devolvida ao mundo, entrando por socalcos de cinza velha deixada aí pelos mortais. Cresce como erva…

  • Rosa XXII

    Rosa XXII

    As trémulas, esvaídas mãos cinzentas redescobriam-se em remoinhos silenciosos e enjeitados. Insalubres pontas estendidas ao sol capião que se arrojava nos umbrais da morte, quieto como um ulmeiro transparente que tudo sabe. As procissões desciam as escadas assombradas pelo eterno medo da solidão e as nespereiras ao longe tombavam pela metade, cedendo passagem aos quesitos…

  • Rosa XXI

    Rosa XXI

    Escondia uma velinha entre mãos, escultora branda de uma capela em éter. Acendia-a todos os dias com a tempestuosidade calma dos ouvintes de ópera em cálidas noites de jardins abertos, onde passeiam condes e condessas. Era nessa vela que vislumbrava o mundo em capítulos, atirando sobre elas pequenos seixos leitosos, tentando destrinçar a fortuna que…

  • Rosa XX

    Rosa XX

    Dos promontórios os mestres avistavam barcaças escuras de onde vinha o peixe vivo, arrastado pelas correntes bravias do Norte, que ali depositavam encrespadas as nódoas de um sonho mau. Os lentos rumores de trovão ao fundo acirravam o petróleo daquelas couraças velhas, podres de tanto se atirarem ao mar como luminescências em desespero. Agastavam-se nas…

  • Rosa XIX

    Rosa XIX

     Nas giestas em brasa caminho com os pés em pó de saibro. Levanto-me no ardor silencioso de um matagal que se prolonga ao entardecer. Sinto um ar leve, uma penumbra luzidia que me embarga o peito. Nas escorreitas sensações que de mim emanam testemunho um gineceu onde te moves como acrobata plúmbea, dona de uma…

  • Rosa XVIII

    Lembro-me de uma tenda secreta onde guardavam jornais infectos de verdade. Neles invectavam oferendas várias, num gatinhar de menino endiabrado pela mão de veludo que tudo anima. Estava ali no meio de uma choldra barrenta, calcada pelas intempéries invernais que se abespinhavam nos montes circundantes. O vento resfolegava de dor quando ali batia e as…

  • Rosa XVII

    Rosa XVII

    Sou guerrilheiro de pavio curto, traço dois brancos cavalos ao luar e aguardo por eles na porta. Debaixo do umbral teço pequenos contos de um amor ensanguentado que agora se cruzam comigo mesmo pelas costas, ao largo de uma península esquecida pelos deuses. Trago-me em lentas passadas, arrastando-me como um evangelho sinóptico arrancado ao deserto…